Aviso ao leitor: esta é apenas uma primeira aproximação ao que está
acontecendo no Brasil. Sou obrigada a concordar com Ângela Randolpho
Paiva, do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio, que admitiu
honestamente à GloboNews: "Estamos atordoados".
Com razão. O Brasil não é um país de sair à rua, salvo em Mundiais. Que
saia agora, em massa, ainda por cima para protestar também contra as
obras da Copa, é de atordoar qualquer um.
Mas jornal circula todos os dias, e não consigo silenciar à espera de
recolher os elementos indispensáveis a uma análise mais aprofundada. É
preciso pincelar algumas ideias, apesar de os protestos do dia estarem
apenas começando, por imposição dos horários de fechamento.
O que já está evidente é que a vaia ouvida no sábado no estádio Mané
Garrincha saiu às ruas. Não adianta o petismo e a mídia chapa-branca
tentarem dizer que a vaia partiu da elite, única em condições de pagar o
preço abusivo dos ingressos.
Nas ruas do Rio ontem, havia uma vaia clara, na forma de uma faixa: "Fora Dilma/Fora Cabral".
Tanto o Rio quanto Brasília, é sempre bom lembrar, são praças fortes do
lulismo. Que apareça um cartaz como esse, ainda que isolado, é eloquente
do estado de insatisfação de uma parcela importante do público.
Mas é fundamental ter em conta duas coisas:
1 - Dilma não é o alvo isolado dos protestos. Nem sei se é o alvo principal. Mas é alvo.
Alvos também são os políticos em geral, de que dá prova a concentração
em Brasília diante do Congresso Nacional. O volume de público no Rio,
governado pelo PMDB, e em São Paulo, governado pelo PSDB, demonstra que a
classe política brasileira está fracassando na sua missão de
representar o público, pelo menos o público mobilizado.
A massa no Rio era, aliás, impressionante; desde as Diretas Já, não se via algo parecido.
2 - Há uma aparente contradição, de todo modo, entre a aprovação popular
dos governos Dilma e Alckmin, aferida em pesquisas recentes, e o volume
e a permanência dos protestos. Haveria uma maioria silenciosa? Talvez,
mas o fato de que 55% dos consultados pelo Datafolha digam que aprovam
os protestos é um forte chamado de atenção.
Por fim, sobre o que querem os manifestantes, já muito além do passe
livre, quem parece ter razão é Juan Arias, o excelente correspondente de
"El País": "Querem, por exemplo, serviços públicos de primeiro mundo;
querem uma escola que, além de acolhê-los, lhes ensine com qualidade, o
que não existe; querem uma universidade que não seja politizada,
ideologizada ou burocrática. Querem que ela seja moderna, viva, que os
prepare para o trabalho futuro".
Mais: "Querem hospitais com dignidade, sem meses de espera, onde sejam
tratados como seres humanos, e querem, sobretudo, o que ainda lhes falta
politicamente: uma democracia mais madura, em que a polícia não atue
como na ditadura".
"Querem um Brasil melhor. Nada mais."
Como dizia a faixa que abria a passeata no Rio: "Não é por centavos; é por direitos".
Clóvis Rossi é repórter especial e membro do Conselho Editorial da Folha,
ganhador dos prêmios Maria Moors Cabot (EUA) e da Fundación por un
Nuevo Periodismo Iberoamericano. Assina coluna às terças, quintas e
domingos no caderno "Mundo". É autor, entre outras obras, de "Enviado
Especial: 25 Anos ao Redor do Mundo" e "O Que é Jornalismo". Escreve às
terças, quintas e domingos na versão impressa do caderno "Mundo" e às
sextas no site:
- crossi@uol.com.br
- fonte: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/clovisrossi/2013/06/1296793-a-vaia-saiu-as-ruas.shtml
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Brasil vive 'sonho de democracia' com protestos, diz 'El País'
BBC Brasil
"protestos no Brasil (Reuters)"
Os
protestos que reuniram pelo menos 200 mil pessoas nas ruas das
principais capitais brasileiras na segunda-feira foram destaque na
imprensa internacional. Jornais importantes como o americano New York
Times, o francês Le Monde e o espanhol El País estampavam na capa de
seus portais na internet, na manha desta terça-feira, galerias com fotos
dos manifestantes no Rio de Janeiro e em São Paulo.
'Conflito
Social no Brasil' era o título que o El País dava na primeira página de
seu site para atrair os leitores para quatro artigos relacionados às
manifestações no Brasil.
Na análise intitulada 'Brasil: Sonho ou
Pesadelo?', o diário espanhol diz que 'ninguém se atreve a dar um nome à
surpresa que foi ver o país sair às ruas convocado apenas pela internet
e, às vezes, por simples adolescentes'.
'O governo está
perplexo', diz o texto, assinado pelo correspondente Juan Arias.
'Ninguém esperava que esta multidão, formada por pessoas de todas as
idades e de todos os grupos sociais saíssem às ruas de repente para
dizer: 'Queremos mudar o Brasil'.
Angústia
O artigo diz que,
para muitos brasileiros, a demonstração popular de segunda-feira foi
'um sonho de democracia, um despertar de anos de silêncio para expressar
que não estão satisfeitos com a qualidade de vida que o governo lhes
oferece, com a corrupção e com o uso indevido do dinheiro público,
começando pelos milhares gastos na preparação da Copa do Mundo.'
O
texto pondera que o sonho que o Brasil viveu 'atônito' na noite de
segunda-feira ameaçou acabar em pesadelo após cenas de violência por
parte de alguns grupos que tentaram destruir a Assembleia Legislativa do
Rio de Janeiro e invadir o Congresso, em Brasília.
O El País diz
que os brasileiros que continuarão protestando nos próximos dias não
lutam contra uma ditadura, nem contra o governo.
'Eles querem mais. A grande incógnita é como vão consegui-lo, quem cristalizará este protesto sem líderes', afirma o texto.
'Se
existe uma angústia difusa nas ruas, essa angústia se traduziu em um
alerta que chegou ao Palácio Presidencial, onde se senta a presidente
Dilma Rousseff, antiga guerrilheira e lutadora contra a ditadura militar
quando tinha a idade dos que esta noite tentaram ocupar o Congresso',
afirma o texto.
'FT'
Artigo publicado no diário financeiro
britânico Financial Times diz que quando o ex-presidente Lula conseguiu
levar a Copa de 2014 para o Brasil, 'achou que tinha marcado um gol que
comemoraria a ascensão do país como uma potência emergente'.
'Agora
ele deve estar vendo com surpresa a reação do movimento contra o
aumento das passagens de ônibus, que gostaria de dar-lhe um cartão
amarelo por causa da Copa'.
O texto segue dizendo que os
manifestantes estão cansados 'de uma classe política que consideram ser
corrupta e moralmente falida', e estenderam seus alvos para incluir a
Copa do Mundo e seu principal teste, a Copa das Confederações.
'Os
manifestantes veem estes eventos como uma chance para políticos
roubarem grandes somas de dinheiro dos orçamentos generosos alocados
para reformar e construir estádios para os jogos'.
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fonte: http://noticias.br.msn.com/mundo/brasil-vive-sonho-de-democracia-com-protestos-diz-el-pa%C3%ADs-1