RIO - Visto por cerca de 161 mil pagantes em duas semanas de exibição
no Brasil, “Flores raras”, de Bruno Barreto, que já viajou por dez
festivais no exterior, incluindo os de Berlim (onde ganhou prêmio de
público) e Tribeca, prepara agora sua marcha para ganhar os mercados
estrangeiros. Na estratégia armada pelo casal de produtores Lucy e Luiz
Carlos Barreto, o circuito dos Estados Unidos é o primeiro da fila.
Produzida ao custo de R$ 13 milhões, a história de amor entre a poeta
americana Elizabeth Bishop (1911-1979) e a arquiteta brasileira Lota de
Macedo Soares (1910-1967), vividas por Miranda Otto e Gloria Pires,
estreia no primeiro fim de semana de dezembro em Nova York e em Los
Angeles, a fim de se habilitar para disputar o Oscar.
— Apesar de já termos iniciado negociações com a Alemanha, com países escandinavos, com a Coreia do Sul e com algumas nações do Oriente Médio, o filme só vai entrar em cartaz na Europa depois de estrear em território americano — diz Luiz Carlos Barreto, o Barretão, lembrando que sua distribuidora nos EUA é a Wolfe, a mesma do premiado “Tomboy” (2011), de Céline Sciamma.
Pelas regras da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, “Flores raras” não pode concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro por ser majoritariamente falado em inglês. Mas, para Lucy, ele tem chance de disputar outras categorias.
— Além das duas atrizes, a direção de arte, na caracterização do Rio de Janeiro dos anos 1950 e 60, é um ponto para indicações aos prêmios — afirma a produtora, que encampou o filme como um projeto pessoal desde 1995, quando adquiriu os direitos do livro “Flores raras e banalíssimas” (Rocco), de Carmen L. Oliveira, centrado na paixão de Lota e Elizabeth.
Antes da estreia de “Flores raras” nos EUA, um agente de vendas internacionais leva o filme para o Festival de Toronto (de 5 a 15 de setembro), no Canadá. Lá a produção terá exibições paralelas à programação oficial do evento, considerado a melhor vitrine para longas que buscam visibilidade aos olhos da Academia.
Durante o Festival de Berlim, em fevereiro, revistas especializadas em cinema dos EUA como a “Screen International” elogiaram o vigor dramático de “Flores raras”. Em seu texto para “The Hollywood Reporter”, a crítica Deborah Young ressaltou que a experiência de Bruno Barreto na indústria americana, com longas como “Atos de amor” (1996) e “Assassinato sob duas bandeiras” (1990), deu ao cineasta domínio da construção de personagem. Deborah ainda elogiou a maneira como o diretor administra duas atrizes de perfil e bagagem cultural tão diferentes como Miranda e Glória para relatar o romance entre Elizabeth e Lota, indo além do perfil de filme GLS.
— Em 1959, quando estava grávida de minha filha (a também produtora) Paula, eu conheci Lota e Bishop, aqui no Brasil. Assisti da casa onde vivi durante anos, no Flamengo, ao processo de construção do Aterro, sob os cuidados de Lota. Nosso filme é um resgate da memória da Lota e de sua importância para esta cidade — diz Lucy Barreto, rebatendo as críticas, que hoje correm na internet, de que o filme não faz menção à participação do arquiteto Affonso Eduardo Reidy (1909-1964) na concepção do Aterro. — Ele não é um filme sobre arquitetura. É um filme sobre duas mulheres e o amor, com licenças poéticas.
Em maio, “Flores raras” foi exibido no Marché du Film do Festival de Cannes, e foi a produção latino-americana mais elogiada entre os distribuidores internacionais, seguida pelo mexicano “Heli”, de Amat Escalante. Até dezembro, o filme será exibido nos festivais de Haifa (Israel), Internacional de Cine de Viña del Mar (Chile), Mar Del Plata (Argentina) e Thessaloniki (Grécia).
— O aprisionamento dos filmes brasileiros ao mercado interno é uma armadilha para nossa indústria — diz Barretão. — Temos, apesar de toda a burocracia no setor audiovisual, potencial para exportar nossos filmes, diante da forte demanda estrangeira acerca da cultura brasileira. É importante intensificar a carreira internacional de nosso cinema.
— Apesar de já termos iniciado negociações com a Alemanha, com países escandinavos, com a Coreia do Sul e com algumas nações do Oriente Médio, o filme só vai entrar em cartaz na Europa depois de estrear em território americano — diz Luiz Carlos Barreto, o Barretão, lembrando que sua distribuidora nos EUA é a Wolfe, a mesma do premiado “Tomboy” (2011), de Céline Sciamma.
Pelas regras da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood, “Flores raras” não pode concorrer ao Oscar de melhor filme estrangeiro por ser majoritariamente falado em inglês. Mas, para Lucy, ele tem chance de disputar outras categorias.
— Além das duas atrizes, a direção de arte, na caracterização do Rio de Janeiro dos anos 1950 e 60, é um ponto para indicações aos prêmios — afirma a produtora, que encampou o filme como um projeto pessoal desde 1995, quando adquiriu os direitos do livro “Flores raras e banalíssimas” (Rocco), de Carmen L. Oliveira, centrado na paixão de Lota e Elizabeth.
Antes da estreia de “Flores raras” nos EUA, um agente de vendas internacionais leva o filme para o Festival de Toronto (de 5 a 15 de setembro), no Canadá. Lá a produção terá exibições paralelas à programação oficial do evento, considerado a melhor vitrine para longas que buscam visibilidade aos olhos da Academia.
Durante o Festival de Berlim, em fevereiro, revistas especializadas em cinema dos EUA como a “Screen International” elogiaram o vigor dramático de “Flores raras”. Em seu texto para “The Hollywood Reporter”, a crítica Deborah Young ressaltou que a experiência de Bruno Barreto na indústria americana, com longas como “Atos de amor” (1996) e “Assassinato sob duas bandeiras” (1990), deu ao cineasta domínio da construção de personagem. Deborah ainda elogiou a maneira como o diretor administra duas atrizes de perfil e bagagem cultural tão diferentes como Miranda e Glória para relatar o romance entre Elizabeth e Lota, indo além do perfil de filme GLS.
— Em 1959, quando estava grávida de minha filha (a também produtora) Paula, eu conheci Lota e Bishop, aqui no Brasil. Assisti da casa onde vivi durante anos, no Flamengo, ao processo de construção do Aterro, sob os cuidados de Lota. Nosso filme é um resgate da memória da Lota e de sua importância para esta cidade — diz Lucy Barreto, rebatendo as críticas, que hoje correm na internet, de que o filme não faz menção à participação do arquiteto Affonso Eduardo Reidy (1909-1964) na concepção do Aterro. — Ele não é um filme sobre arquitetura. É um filme sobre duas mulheres e o amor, com licenças poéticas.
Em maio, “Flores raras” foi exibido no Marché du Film do Festival de Cannes, e foi a produção latino-americana mais elogiada entre os distribuidores internacionais, seguida pelo mexicano “Heli”, de Amat Escalante. Até dezembro, o filme será exibido nos festivais de Haifa (Israel), Internacional de Cine de Viña del Mar (Chile), Mar Del Plata (Argentina) e Thessaloniki (Grécia).
— O aprisionamento dos filmes brasileiros ao mercado interno é uma armadilha para nossa indústria — diz Barretão. — Temos, apesar de toda a burocracia no setor audiovisual, potencial para exportar nossos filmes, diante da forte demanda estrangeira acerca da cultura brasileira. É importante intensificar a carreira internacional de nosso cinema.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/aprovado-nos-festivais-estrangeiros-flores-raras-prepara-agora-sua-estrategia-para-chegar-ao-oscar-9749772#ixzz2dSp8rNm2
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FONTE: http://oglobo.globo.com/cultura/aprovado-nos-festivais-estrangeiros-flores-raras-prepara-agora-sua-estrategia-para-chegar-ao-oscar-9749772
Longa que narra o romance entre a arquiteta Lota de Macedo Soares e a poetisa Elizabeth Bishop, “Flores Raras”
conta com duas atrizes estrangeiras entre as protagonistas. Uma delas é
a americana Tracy Middendorf, que vive Mary, companheira de Lota por
mais de uma década – a outra é a australiana Miranda Otto. Com produções
como as séries “Barrados no Baile”, “24 Horas”, “CSI” e “Boardwalk
Empire”, além do filme “Missão Impossível 3”, no currículo, a atriz
conta um pouco da experiência de filmar no Brasil nesta entrevista: “Em
duas semanas, tive de soar fluente em português”.
Quem é a Mary e qual é a participação dela na história de 'Flores Raras'?
A Mary era uma dançarina que estudou no Vassar College (prestigiada escola de artes liberais), em Nova York, e encontrou a Lota em um navio no qual estava trabalhando. Obviamente, elas se sentiram atraídas e algo aconteceu entre as duas na ocasião (risos). Então, ela decidiu se mudar para o Brasil e viveu com a Lota, de quem foi companheira por dez anos. Então, sua amiga, Elisabeth Bishop, se torna famosa e vem visitá-la. É quando Lota deixa Mary para se relacionar com Bishop. Apesar disso, Mary continua vivendo em uma casa anexa à de Lota, com quem havia adotado uma criança.
O que te atraiu neste projeto?
Eu li o roteiro e adorei as personagens. Além disso, conhecia o trabalho do Bruno Barreto e precisava vir ao Brasil! Então, foi muito fácil decidir participar.
Como você resolveu a questão da língua para interpretar a Mary, que viveu por muito tempo no Brasil?
Quando eu cheguei ao Brasil, só sabia falar “obrigada” em português. Mesmo assim, acho que falava errado: “obrigado” (risos). Como meu marido já havia viajado bastante pelo Brasil e sabia um pouquinho mais, tentou me ajudar. Eu precisei aprender um pouco de português porque a Mary era fluente na língua. Então, em duas semanas tive de soar fluente. O primeiro passo foi aprender os sons peculiares do português, ou seja, que não temos no inglês. Palavras como “não” e “fazer”, que têm sons diferentes para mim. Então, tive de trabalhar duro com uma fonoaudióloga todos os dias no set.
O que você aprendeu da língua exatamente?
Aprendi a dizer as minhas falas no filme, mas tentei também aprender um pouco mais para poder improvisar, embora seja difícil fazer isso em uma língua que você não domina. “Eu não posso fazer nada” e “Isso não tá certo” foram algumas dessas frases. Mas, no filme, a pronúncia ficou melhor que agora (risos).
http://globofilmes.globo.com/noticia-561-Tracy-Middendorf.htm
Entrevista
09/11/2012 18h47 -
Atualizado em 14/08/2013 18h27
Tracy Middendorf
Americana está em 'Flores Raras', no qual fala português
Quem é a Mary e qual é a participação dela na história de 'Flores Raras'?
A Mary era uma dançarina que estudou no Vassar College (prestigiada escola de artes liberais), em Nova York, e encontrou a Lota em um navio no qual estava trabalhando. Obviamente, elas se sentiram atraídas e algo aconteceu entre as duas na ocasião (risos). Então, ela decidiu se mudar para o Brasil e viveu com a Lota, de quem foi companheira por dez anos. Então, sua amiga, Elisabeth Bishop, se torna famosa e vem visitá-la. É quando Lota deixa Mary para se relacionar com Bishop. Apesar disso, Mary continua vivendo em uma casa anexa à de Lota, com quem havia adotado uma criança.
O que te atraiu neste projeto?
Eu li o roteiro e adorei as personagens. Além disso, conhecia o trabalho do Bruno Barreto e precisava vir ao Brasil! Então, foi muito fácil decidir participar.
Como você resolveu a questão da língua para interpretar a Mary, que viveu por muito tempo no Brasil?
Quando eu cheguei ao Brasil, só sabia falar “obrigada” em português. Mesmo assim, acho que falava errado: “obrigado” (risos). Como meu marido já havia viajado bastante pelo Brasil e sabia um pouquinho mais, tentou me ajudar. Eu precisei aprender um pouco de português porque a Mary era fluente na língua. Então, em duas semanas tive de soar fluente. O primeiro passo foi aprender os sons peculiares do português, ou seja, que não temos no inglês. Palavras como “não” e “fazer”, que têm sons diferentes para mim. Então, tive de trabalhar duro com uma fonoaudióloga todos os dias no set.
O que você aprendeu da língua exatamente?
Aprendi a dizer as minhas falas no filme, mas tentei também aprender um pouco mais para poder improvisar, embora seja difícil fazer isso em uma língua que você não domina. “Eu não posso fazer nada” e “Isso não tá certo” foram algumas dessas frases. Mas, no filme, a pronúncia ficou melhor que agora (risos).
http://globofilmes.globo.com/noticia-561-Tracy-Middendorf.htm
Elizabeth Bishop, a poetisa americana de ‘Flores Raras’
Meire Kusumoto
Quando o nascimento da poetisa americana Elizabeth Bishop (1911-79) completou 100 anos, em fevereiro de 2011, as comemorações no Brasil foram tímidas, sem grandes eventos ou relançamentos. Uma injustiça com um dos maiores nomes da poesia americana do século XX, que viveu por cerca de 20 anos, entre idas e vindas, em terras brasileiras, de onde saiu boa parte de sua produção. Uma injustiça que o livro Conversas com Elizabeth Bishop (Autêntica Editora, 192 páginas, 39,90 reais), uma reunião de entrevistas com a escritora lançada agora, e o filme Flores Raras, do cineasta Bruno Barreto, que entra em cartaz nesta sexta-feira, ajudam a desfazer.
LEIA TAMBÉM: ‘Queria falar da perda’, diz Bruno Barreto sobre ‘Flores Raras’
Foi no Brasil que Elizabeth viveu dois momentos cruciais, costumeiramente os mais lembrados quando se trata da biografia da poetisa: o anúncio de que ela tinha ganhado o Prêmio Pulitzer, em 1956, e o seu intenso relacionamento amoroso com a arquiteta carioca, embora nascida em Paris, Maria Carlota de Macedo Soares (1910-67), entre 1951 e 1967, quando Lota, como era chamada, cometeu suicídio. O romance deu origem ao livro Flores Raras e Banalíssimas (Rocco, 248 páginas, 34,50 reais), da escritora Carmen Oliveira, que acaba de ganhar nova edição de carona no filme de Barreto, ao qual serviu de base.
MAIS: ‘Flores Raras’ será um filme “para o mundo”, diz Bruno Barreto
Biografia - Quando embarcou no navio SS Bowplate em Nova York rumo ao Brasil, em 1951, Elizabeth Bishop tinha 40 anos e planos de viajar pela América do Sul em busca de um sentido para a vida, até então marcada por perdas. Seu pai, William Thomas Bishop, morreu de insuficiência renal crônica quando ela tinha apenas oito meses e, a mãe, Gertrude, abalada, foi aos poucos perdendo o equilíbrio mental. Em 1915, mãe e filha se mudaram para Nova Escócia, no Canadá, onde residia a família de Gertrude e onde ela se internou no ano seguinte em uma clínica psiquiátrica. Elizabeth nunca mais veria a mãe, que em 18 anos morreria no mesmo hospital.
Sem os pais, a futura poetisa ficou sob os cuidados dos avós maternos até 1917, quando foi assumida pelos paternos e levada de volta para a sua cidade natal, Worcester, em Massachusetts. Ainda que tivesse conforto no lar dos abastados Bishop, Elizabeth se sentia só e abandonada, situação que piorou quando desenvolveu asma e uma série de alergias, que a impediram de frequentar a escola regular. A solidão era um mal que ela custou a superar: em 1948, escreveria para o amigo e poeta Robert Lowell, dizendo que era a pessoa mais solitária que já havia existido. Ao chegar ao Brasil, contudo, se sentiria em casa. Se não pelo próprio país, ao menos pela relação com Lota.
No ano seguinte, foi morar com uma tia e seu marido, Maude e George Shepherdson, que eram pagos para cuidar da menina, mas davam afeto e a deixavam visitar a família nas férias. Educada em casa, Elizabeth teve professores particulares e amplo acesso à biblioteca da tia, onde havia volumes de poetas como Robert Browning, Alfred Tennyson e Henry David Thoreau. Ela chegou a frequentar a escola por um ano, entre 1926 e 27, mas a sua educação formal só começou de fato em 1928, quando foi enviada para um internato na cidade de Natick. Em 1930, ela iniciou o ensino superior na Vassar College, em Poughkeepsie, estado de Nova York, onde se formou em Literatura Inglesa. Sem necessidade de trabalhar graças à herança que o pai, dono de uma construtora, havia deixado, após a formatura se dedicou a viajar e a escrever o primeiro livro, Norte e Sul, publicado em 1946, poucos anos antes de deixar os Estados Unidos.
Conheça as principais obras de Elizabeth Bishop
1 de 5
Chemin de Fer
Sozinha nos trilhos eu ia,
coração aos saltos no peito.
O espaço entre os dormentes
era excessivo, ou muito estreito.
Paisagem empobrecida:
carvalhos, pinheiros franzinos;
e além da folhagem cinzenta
vi luzir ao longe o laguinho
onde vive o eremita sujo,
como uma lágrima translúcida
a conter seus sofrimentos
ao longo dos anos, lúcida.
O eremita deu um tiro
e uma árvore balançou.
O laguinho estremeceu.
sua galinha cocoricou.
Bradou o velho eremita:
“Amor tem que ser posto em prática!”
Ao longe, um eco esboçou
sua adesão, não muito enfática.
(Tradução de Paulo Henriques Britto)
Norte & Sul / North & South (1946)
Primeiro livro de poesia de Elizabeth Bishop, foi publicado enquanto a poetisa ainda estava nos Estados Unidos, em 1946. A obra reúne poemas escritos em diversos lugares dos EUA e em Paris, frutos das muitas viagens que a escritora fez durante a juventude, entre os anos 1930 e 40. No Brasil, algumas poesias de Norte & Sul foram publicadas no livro Poemas Escolhidos (tradução de Paulo Henriques Britto, Companhia das Letras, 416 páginas, 44,50 reais), um dos dois únicos volumes de versos (ambos coletâneas) de Elizabeth lançados no país pela Companhia das Letras. O outro é Poemas do Brasil, atualmente esgotado.Chemin de Fer
Sozinha nos trilhos eu ia,
coração aos saltos no peito.
O espaço entre os dormentes
era excessivo, ou muito estreito.
Paisagem empobrecida:
carvalhos, pinheiros franzinos;
e além da folhagem cinzenta
vi luzir ao longe o laguinho
onde vive o eremita sujo,
como uma lágrima translúcida
a conter seus sofrimentos
ao longo dos anos, lúcida.
O eremita deu um tiro
e uma árvore balançou.
O laguinho estremeceu.
sua galinha cocoricou.
Bradou o velho eremita:
“Amor tem que ser posto em prática!”
Ao longe, um eco esboçou
sua adesão, não muito enfática.
(Tradução de Paulo Henriques Britto)
O Brasil e a obra – Elizabeth desembarcou em Santos (SP), de onde seguiu de trem até o Rio. Ao chegar na cidade, foi recebida pela dançarina de balé Mary Morse, ex-colega de escola em NY, e sua companheira, Lota, que lhe ofereceram hospedagem por quanto tempo desejasse. E a estada no país, programada para durar algumas semanas, estendeu-se por duas décadas. No começo, Elizabeth e Lota, de personalidades opostas, se estranharam. Até a escritora ter alergia a um caju, a arquiteta cuidar dela e o inevitável acontecer.
Por cerca de dezesseis anos, Elizabeth viveu ao lado de Lota, de personalidade forte e expansiva, contrastante com seu jeito de ser, retraído e reservado – resultado, possivelmente, da infância traumática sem os pais. Paulo Henriques Britto, principal tradutor da autora no Brasil, lembra que, antes do Brasil, apenas no Canadá, onde viveu por seis anos, ela se sentiu acolhida.
Para Britto, é notável em suas crônicas a presença de temas ligados à infância e ao tempo passado junto à família da mãe, cujo afeto lembrava vagamente o do povo brasileiro. Mesmo imersa em um ambiente que sentia caloroso, contudo, Elizabeth manteve o seu estilo discreto, evitando o tom confessional, tanto em sua prosa quanto em sua poesia. Em 1955, ela recebeu o Prêmio Pulitzer por Poems: North and South – A Cold Spring, seu segundo livro, escrito no Brasil, e o National Book Award por The Complete Poems, de 1969.
Ao longo das décadas de 1950 e 60, o relacionamento com Lota foi se tornando difícil. Cada uma se isolava em suas atividades. A arquiteta, amiga do então governador do Rio, Carlos Lacerda, estava tomada pelo projeto do Aterro do Flamengo, que idealizou e executou. Sem diploma, a autodidata Lota só ficou à frente do trabalho por sua amizade com Lacerda, embora tivesse méritos. Tanto o aterro quanto a Fazenda Samambaia, onde morava quando Elizabeth chegou, são marcos da arquitetura brasileira moderna, em que a funcionalidade se une à beleza.
Ao mesmo tempo em que a vida com Lota se deteriorava, a agitação em meio ao golpe militar de 1964 também incomodava a poetisa, que fugia de assuntos políticos. Sentindo-se mais uma vez abandonada, ela se afogou no álcool, vício antigo que ia e voltava. Em busca de um emprego, Elizabeth decidiu se mudar para Nova York, para onde Lota seguiu, em 1967, para um curto reencontro. Deprimida, a arquiteta se mataria pouco depois, de uma overdose de tranquilizantes.
Elizabeth nunca se recuperou do choque provocado por mais uma perda. Tentou reestabelecer sua vida no Brasil, mas deixou o país novamente por questões políticas, se estabelecendo em 1970 nos Estados Unidos, após um convite para lecionar na Universidade de Harvard, onde ficou até o ano de sua morte, em 1979, por um aneurisma cerebral.
Das injustiças do Brasil com Elizabeth, tem-se a publicação apenas parcial de sua obra. Segundo Paulo Henriques Britto, nenhum livro foi publicado integralmente no país e os poemas só aparecem em duas coletâneas, Poemas do Brasil, de 1999, atualmente esgotada, e Poemas Escolhidos, de 2012, ambas da Companhia das Letras. Mesmo agora, que a editora prepara o lançamento de um livro com a produção em prosa da poetisa para 2014 — que inclui alguns textos inéditos–, houve uma seleção, feita por Britto. Mas, se o país não está na lista de seus maiores leitores, ao menos pode se orgulhar de ter sido fundamental para uma das poetisas mais importantes do século XX.
Tags: Elizabeth Bishop
Bruno Barreto não lançava um longa-metragem no cinema desde 2008, quando estreou Última Parada 174. Você Nunca Disse Eu te Amo, que se chamava Flores Raras antes
do 63º Festival de Berlim e volta agora a usar o primeiro nome, conta a
história de amor entre a poeta americana Elizabeth Bishop (Miranda
Otto) e a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares (Glória Pires). O
filme foi bem recebido na sessão oficial na mostra Panorama, circuito
não competitivo da Berlinale, o que deixou Barreto animado. O diretor
estava empolgado quando falou ao site de VEJA, na última segunda-feira:
O que a exibição no Festival de Berlim representa para a carreira do filme? É a melhor coisa que poderia acontecer, porque o longa foi feito para o mundo. É legal o filme ficar pronto e você exibir em outro país. A sessão de gala foi muito legal. Nunca na minha carreira tive um momento tão... Eu não contei, mas, brincando, foram oito minutos de aplausos. Tive de falar "obrigado" umas quatro vezes para eles pararem. Aí, pude agradecer e pedir desculpas pelas logomarcas do início do filme (dos produtores e patrocinadores, que fizeram o público rir). Disse: "Desculpe, mas sem eles nós não estaríamos aqui". Foi uma complicação para conseguir patrocínio, porque a gente acha que o Brasil é liberal e não é. O Brasil é conservador.
LEIA TAMBÉM: Delicado, filme de Bruno Barreto é bem recebido em BerlimLEIA TAMBÉM - River Phoenix revive no Festival de Berlim em 'Dark Blood'
Esse projeto começou anos atrás, quando a sua mãe, Lucy, comprou os direitos do livro Flores Raras e Banalíssimas, de Carmem Lúcia de Oliveira. Mas como você se interessou pela história? Minha mãe comprou os direitos em meados da década de 1990 e propôs o filme a mim e ao Hector Babenco. Mas nenhum dos dois se interessou na época, eu nem li o livro. Em 2004, minha ex-mulher (a atriz Amy Irving), fez Um Porto para Elizabeth Bishop, monólogo da Marta Góes, nos Estados Unidos. Comecei a achar interessante, fiquei ruminando aquela ideia. Não sabia ainda para que contar a história. Em 2008, depois de Última Parada 174 e de ter me divorciado da Amy – nada acontece por acaso –, vi que queria contar a história porque falava da perda. Não é uma biografia. Lota e Elizabeth são personagens dessa história de amor. Uma história em que a forte fica fraca porque não sabe lidar com a perda, e a fraca, perdedora, vai ficando forte porque lida melhor com isso. Grandes momentos de suas vidas ocorrem quando elas estão juntas. Elizabeth ganha o Pulitzer, desabrocha como escritora, porque teve estabilidade emocional e material. Não é por causa do Brasil. E a Lota tem a ideia do parque do Flamengo (talvez a sua maior obra).
Você chegou a pensar em fazer com a Amy? Inicialmente, sim. Não depois que achei o ângulo da história, mas quando a gente ainda estava casado, e eu comecei a me interessar pelo projeto.
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E como foi escolher o elenco? A Glória já estava selecionada para fazer. Eu podia mudar a atriz, mas acho que não tinha ninguém melhor que ela. Além de tudo, eu nunca havia trabalhado com a Glória. A única vez em que escrevi uma carta como fã foi para ela, quando fez A Partilha. Ela fez tão bem aquela cena em que aparecia bêbada... Ela ainda falava bem inglês e tal. E, depois que ela fez os dois Se Eu Fosse Você, eu falava brincando que o laboratório para a o filme estava feito.
Como foi a procura pela atriz que faria a Elizabeth Bishop? Por questões de mercado, em princípio era uma coprodução internacional, quiseram que buscássemos nomes maiores. E apareceram duas ou três atrizes desse porte interessadas em fazer o filme, mas aí aconteceu um problema de agenda. O dinheiro saiu em fevereiro de 2012 e eu tinha de rodar tudo até o começo de agosto, quando a Glória ia começar a fazer a novela Guerra dos Sexos. Com os dois meses de preparação necessários, só restava filmar em maio e junho ou junho e julho. Para a atriz que faria a Elizabeth, o fato de ser uma personagem gay não era a dificuldade. O complicado era vir ao Brasil com armas e bagagens. O homem viaja e não precisa levar a família toda, a mulher quando viaja precisa levar todo mundo. Então, esse era o problema. E eu não podia achar outra Lota. Assim acabei ficando com a Miranda para o papel da Bishop.
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Como foi encontrar o tom delicado do filme? Foi o aspecto mais difícil. Eu não queria cair na chamada rede de segurança do minimalismo – quando, na dúvida, menos é mais. E, claro, não podia chegar no excesso. Queria contar essa história com toda a sua complexidade, todas as suas nuances. Ao mesmo tempo, queria contar com emoção, não queria fazer um filme intelectual. Foi difícil. Na coisa sexual, eu disse que não queria ser sensacionalista, queria tratar da relação com a maior espontaneidade, mas também não queria ser pudico, como se estivesse evitando o assunto. Era uma relação homossexual, e isso tem um peso na história e na época.
É difícil fazer cenas de poesia, porque podem ficar chatas e cafonas. Como foi o trabalho com a Miranda? Tive uma preocupação grande com essas cenas. Mas teve um elemento da realidade que ajudou muito: a Bishop gostava de ouvir o poema ao escrever. Ela lia alto. Então, isso facilitou. Mas procurei manter ao mínimo, porque o filme não é sobre isso, não é sobre o processo criativo dela. A minha maior preocupação era a emoção, porque se não emocionasse não funcionaria. E queria emocionar de uma maneira não manipuladora. Foi o filme em que tive mais dificuldade de encontrar o tom, embora seja o meu 19º. Isso que é interessante, a gente sempre está aprendendo.
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Alguns brasileiros disseram que a Glória foi corajosa. Em 2013, é preciso ter coragem para fazer cenas de beijo com outra mulher? Precisa. E ela é corajosa. Fizemos uma projeção-teste em novembro, até para ajudar a encontrar esse tom. E os espectadores ficaram chocados. No primeiro beijo, teve um: “Opa!”. Isso vai ser um elemento que vai atrair gente e que vai também espantar.
Dezessete anos atrás, quando a produtora Lucy Barreto comprou os direitos de adaptação do livro Flores Raras e Banalíssimas,
de Carmen Lucia de Oliveira, sobre o relacionamento entre a arquiteta
brasileira Lota de Macedo Soares (1910-1967) e a poetisa americana
Elizabeth Bishop (1911-1979), o diretor Bruno Barreto chegou a desdenhar
do projeto. O realizador carioca só retomou interesse pela história de
amor entre a idealizadora do Parque do Flamengo, no Rio, e a ganhadora
do Prêmio Pulitzer de 1956 quase 10 anos depois, quando se separou da
atriz americana Amy Irving.
“Estava deprimido, arrasado com a separação, e a Amy tinha acabado de fazer o monólogo Um Porto para Elizabeth Bishop, de Marta Góes, em Nova York. Comecei a me ver na dinâmica entre Bishop, a mulher fraca que sabia lidar com as perdas, e Lota, a mulher forte, que não. Sou como a Lota, um péssimo perdedor. Acho que, na época, reativei a ideia de fazer o filme sobre elas para reconquistar a Amy”, confessou Barreto na última quinta-feira (5), entre as garfadas do break de almoço das filmagens de Flores Raras, que está sendo rodado em um sítio de Pedro do Rio, na região serrana fluminense.
A bela propriedade, cuja casa principal, de estilo modernista, foi projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer e é cercada por jardins projetados por Burle Marx (1909-1994), representará nas telas a fazenda Samambaia, em Petrópolis, onde Lota e Elizabeth viveram grande parte de seus 15 anos de relacionamento. “A Samambaia tem um significado importantíssimo dentro da trama. É o shangrilá delas, um lugar onde elas podiam ter mais privacidade. Foi no terreno da fazenda que Lota construiu um estúdio para Elizabeth, e foi lá que a poetisa viveu a parte mais produtiva da carreira”, explicou o diretor carioca de 57 anos.
Na versão dirigida por Barreto, rodada ao custo de 13 milhões de reais, Lota é interpretada Gloria Pires. A australiana Miranda Otto, da popular trilogia O Senhor dos Anéis, vive a introvertida Elizabeth Bishop. A americana é apresentada à brasileira por Mary, compatriota da poetisa e ex-amante de Lota, vivida na tela por Tracy Middendorf, que tem no currículo participações em séries de TV como Lost, Law & Order: Special Victims Unit, CSI, e 24 horas. “O entrosamento entre nós três é ótimo, o que é fundamental para a história”, contou Gloria, durante um dos intervalos dos trabalhos.
Lota é o terceiro de uma série de personagens vividos por Gloria nos últimos anos inspirados em mulheres reais: em Lula, o filho do Brasil (2009), ela foi Dona Lindu, mãe do ex-presidente brasileiro; em Nise da Silveira, de Roberto Berliner, ainda inédito, encarna Nise da Silveira (1905-1999), fundadora do Museu do Inconsciente. “Nossa cultura está repleta de mulheres fortes, é muito bom que o cinema brasileiro esteja resgatando algumas delas”, comentou a atriz. “Lota enfrentou preconceitos de toda ordem pois, além de homossexual,era uma autodidata, uma arquiteta sem diploma. Apesar de tudo, deixou obras como o Parque do Flamengo”.
Ficção e realidade – Barreto recria o relacionamento de 15 anos entre Lota e Elizabeth Bishop com a ajuda da ficção. No filme, as duas se conhecem quando a poetisa recebe uma homenagem na embaixada americana, que na época ficava no Rio, então capital federal. Na vida real, Lota conheceu Elizabeth durante uma viagem a Nova York. “O livro da Carmen serviu apenas como ponto de partida para o roteiro estruturado por Carolina Koscho, que passou depois pelas mãos do diretor e roteirista americano Matthew Chapman, porque a maior parte dos diálogos é falada em inglês”, observou o diretor.
No filme, Barreto promove a reconciliação entre Lota e seu pai, José Eduardo de Macedo Soares, dono de um dos maiores jornais da época, o Diário Carioca – a arquiteta e paisagista deixara a casa da família aos 25 anos, desgastada pela a separação dos pais. Na ficção, o reencontro é intermediado por Elizabeth, e acontece durante a cerimônia de inauguração do Parque do Flamengo, em 1965. “Não estamos fazendo uma biografia da Lota nem da Elizabeth, mas filmando a história de amor entre elas, duas mulheres de temperamentos opostos, porém complementares”, reforçou Barreto.
O diretor não se aborrece quando alguém se refere a Flores Raras como um filme de amor gay. “A sexualidade das personagens não é o foco principal do filme, mas é um aspecto importante da história”, observa o autor de Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976) e O Beijo no Asfalto (1981), entre outros sucessos nacionais. “Mas de maneira alguma eu escamoteio a situação delas. Até porque o relacionamento entre Lota, Mary e Elizabeth refletem bem a mentalidade do país na época. Quando Elizabeth chega ao Rio, ela pergunta a Mary, na época ainda amante da Lota: ‘Como é aqui?’. E ela responde: ‘Eu e a Lota somos muito discretas. Acho que somos um pouco além da imaginação para eles”, contou.
Barreto pretende inscrever Flores Raras no próximo Festival de Berlim (fevereiro de 2013), onde competiu com O Que É Isso, Companheiro (1997). “Estamos fazendo um filme para o mundo, sobre um assunto que desperta a curiosidade também no exterior, porque o trabalho da Elizabeth Bishop só começou a ser descoberto nos últimos dez anos. Até então, mesmo nos Estados Unidos poucos conheciam os textos dela. Meu desafio é contar essa história de maneira acessível, mas sem simplificá-la. Meu ideal seria algo com a poesia e a complexidade de As Horas (2002) e a emoção e a escala épica de Entre Dois Amores (1985).
Correção: Em uma versão anterior, este texto afirmava que o filme de Roberto Berliner, ainda inédito, sobre a fundadora do Museu do Inconsciente chama-se Engenho de Dentro. O nome correto do longa é Nise da Silveira (o texto já foi corrigido). Engenho de Dentro é o local onde o filme foi rodado.
'Queria falar da perda', diz Bruno Barreto de 'Flores Raras'
Diretor se interessou pelo projeto de filmar a relação de amor entre a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares (Glória Pires) e a poeta americana Elizabeth Bishop (Miranda Otto) depois de se divorciar da mulher, a atriz Amy Irving
Mariane Morisawa, de Berlim
'Flores Raras', de Bruno Barreto, tem Glória Pires no
elenco. O filme está na seção Panorama, a principal mostra paralela da
Berlinale
(Divulgação)
"Queria emocionar de uma maneira não manipuladora. Foi o filme em que
tive mais dificuldade de encontrar o tom, embora seja o meu 19º. Isso é
que é interessante, a gente sempre está aprendendo"
O que a exibição no Festival de Berlim representa para a carreira do filme? É a melhor coisa que poderia acontecer, porque o longa foi feito para o mundo. É legal o filme ficar pronto e você exibir em outro país. A sessão de gala foi muito legal. Nunca na minha carreira tive um momento tão... Eu não contei, mas, brincando, foram oito minutos de aplausos. Tive de falar "obrigado" umas quatro vezes para eles pararem. Aí, pude agradecer e pedir desculpas pelas logomarcas do início do filme (dos produtores e patrocinadores, que fizeram o público rir). Disse: "Desculpe, mas sem eles nós não estaríamos aqui". Foi uma complicação para conseguir patrocínio, porque a gente acha que o Brasil é liberal e não é. O Brasil é conservador.
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Esse projeto começou anos atrás, quando a sua mãe, Lucy, comprou os direitos do livro Flores Raras e Banalíssimas, de Carmem Lúcia de Oliveira. Mas como você se interessou pela história? Minha mãe comprou os direitos em meados da década de 1990 e propôs o filme a mim e ao Hector Babenco. Mas nenhum dos dois se interessou na época, eu nem li o livro. Em 2004, minha ex-mulher (a atriz Amy Irving), fez Um Porto para Elizabeth Bishop, monólogo da Marta Góes, nos Estados Unidos. Comecei a achar interessante, fiquei ruminando aquela ideia. Não sabia ainda para que contar a história. Em 2008, depois de Última Parada 174 e de ter me divorciado da Amy – nada acontece por acaso –, vi que queria contar a história porque falava da perda. Não é uma biografia. Lota e Elizabeth são personagens dessa história de amor. Uma história em que a forte fica fraca porque não sabe lidar com a perda, e a fraca, perdedora, vai ficando forte porque lida melhor com isso. Grandes momentos de suas vidas ocorrem quando elas estão juntas. Elizabeth ganha o Pulitzer, desabrocha como escritora, porque teve estabilidade emocional e material. Não é por causa do Brasil. E a Lota tem a ideia do parque do Flamengo (talvez a sua maior obra).
Você chegou a pensar em fazer com a Amy? Inicialmente, sim. Não depois que achei o ângulo da história, mas quando a gente ainda estava casado, e eu comecei a me interessar pelo projeto.
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E como foi escolher o elenco? A Glória já estava selecionada para fazer. Eu podia mudar a atriz, mas acho que não tinha ninguém melhor que ela. Além de tudo, eu nunca havia trabalhado com a Glória. A única vez em que escrevi uma carta como fã foi para ela, quando fez A Partilha. Ela fez tão bem aquela cena em que aparecia bêbada... Ela ainda falava bem inglês e tal. E, depois que ela fez os dois Se Eu Fosse Você, eu falava brincando que o laboratório para a o filme estava feito.
Como foi a procura pela atriz que faria a Elizabeth Bishop? Por questões de mercado, em princípio era uma coprodução internacional, quiseram que buscássemos nomes maiores. E apareceram duas ou três atrizes desse porte interessadas em fazer o filme, mas aí aconteceu um problema de agenda. O dinheiro saiu em fevereiro de 2012 e eu tinha de rodar tudo até o começo de agosto, quando a Glória ia começar a fazer a novela Guerra dos Sexos. Com os dois meses de preparação necessários, só restava filmar em maio e junho ou junho e julho. Para a atriz que faria a Elizabeth, o fato de ser uma personagem gay não era a dificuldade. O complicado era vir ao Brasil com armas e bagagens. O homem viaja e não precisa levar a família toda, a mulher quando viaja precisa levar todo mundo. Então, esse era o problema. E eu não podia achar outra Lota. Assim acabei ficando com a Miranda para o papel da Bishop.
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Como foi encontrar o tom delicado do filme? Foi o aspecto mais difícil. Eu não queria cair na chamada rede de segurança do minimalismo – quando, na dúvida, menos é mais. E, claro, não podia chegar no excesso. Queria contar essa história com toda a sua complexidade, todas as suas nuances. Ao mesmo tempo, queria contar com emoção, não queria fazer um filme intelectual. Foi difícil. Na coisa sexual, eu disse que não queria ser sensacionalista, queria tratar da relação com a maior espontaneidade, mas também não queria ser pudico, como se estivesse evitando o assunto. Era uma relação homossexual, e isso tem um peso na história e na época.
É difícil fazer cenas de poesia, porque podem ficar chatas e cafonas. Como foi o trabalho com a Miranda? Tive uma preocupação grande com essas cenas. Mas teve um elemento da realidade que ajudou muito: a Bishop gostava de ouvir o poema ao escrever. Ela lia alto. Então, isso facilitou. Mas procurei manter ao mínimo, porque o filme não é sobre isso, não é sobre o processo criativo dela. A minha maior preocupação era a emoção, porque se não emocionasse não funcionaria. E queria emocionar de uma maneira não manipuladora. Foi o filme em que tive mais dificuldade de encontrar o tom, embora seja o meu 19º. Isso que é interessante, a gente sempre está aprendendo.
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Alguns brasileiros disseram que a Glória foi corajosa. Em 2013, é preciso ter coragem para fazer cenas de beijo com outra mulher? Precisa. E ela é corajosa. Fizemos uma projeção-teste em novembro, até para ajudar a encontrar esse tom. E os espectadores ficaram chocados. No primeiro beijo, teve um: “Opa!”. Isso vai ser um elemento que vai atrair gente e que vai também espantar.
Cinema
'Flores Raras' será um filme "para o mundo", diz Bruno Barreto
Em Pedro do Rio, na casa que reproduz o ambiente da fazenda Samambaia, diretor explica como constrói a história do filme que pretende inscrever no Festival de Berlim. "Meu ideal seria algo com a poesia e a complexidade de 'As Horas' e a emoção e a escala épica de 'Entre Dois Amores'
Carlos Helí de Almeida, de Pedro do Rio (RJ)
Miranda Otto, da popular trilogia 'O Senhor dos Anéis',
vive a introvertida Elizabeth Bishop em 'Flores Raras', dirigido por
Bruno Barreto
(Lisa Graham/Divulgação)
“A sexualidade das personagens não é o foco principal do filme, mas é um aspecto importante da história”, observa Barreto
“Estava deprimido, arrasado com a separação, e a Amy tinha acabado de fazer o monólogo Um Porto para Elizabeth Bishop, de Marta Góes, em Nova York. Comecei a me ver na dinâmica entre Bishop, a mulher fraca que sabia lidar com as perdas, e Lota, a mulher forte, que não. Sou como a Lota, um péssimo perdedor. Acho que, na época, reativei a ideia de fazer o filme sobre elas para reconquistar a Amy”, confessou Barreto na última quinta-feira (5), entre as garfadas do break de almoço das filmagens de Flores Raras, que está sendo rodado em um sítio de Pedro do Rio, na região serrana fluminense.
A bela propriedade, cuja casa principal, de estilo modernista, foi projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer e é cercada por jardins projetados por Burle Marx (1909-1994), representará nas telas a fazenda Samambaia, em Petrópolis, onde Lota e Elizabeth viveram grande parte de seus 15 anos de relacionamento. “A Samambaia tem um significado importantíssimo dentro da trama. É o shangrilá delas, um lugar onde elas podiam ter mais privacidade. Foi no terreno da fazenda que Lota construiu um estúdio para Elizabeth, e foi lá que a poetisa viveu a parte mais produtiva da carreira”, explicou o diretor carioca de 57 anos.
Na versão dirigida por Barreto, rodada ao custo de 13 milhões de reais, Lota é interpretada Gloria Pires. A australiana Miranda Otto, da popular trilogia O Senhor dos Anéis, vive a introvertida Elizabeth Bishop. A americana é apresentada à brasileira por Mary, compatriota da poetisa e ex-amante de Lota, vivida na tela por Tracy Middendorf, que tem no currículo participações em séries de TV como Lost, Law & Order: Special Victims Unit, CSI, e 24 horas. “O entrosamento entre nós três é ótimo, o que é fundamental para a história”, contou Gloria, durante um dos intervalos dos trabalhos.
Lota é o terceiro de uma série de personagens vividos por Gloria nos últimos anos inspirados em mulheres reais: em Lula, o filho do Brasil (2009), ela foi Dona Lindu, mãe do ex-presidente brasileiro; em Nise da Silveira, de Roberto Berliner, ainda inédito, encarna Nise da Silveira (1905-1999), fundadora do Museu do Inconsciente. “Nossa cultura está repleta de mulheres fortes, é muito bom que o cinema brasileiro esteja resgatando algumas delas”, comentou a atriz. “Lota enfrentou preconceitos de toda ordem pois, além de homossexual,era uma autodidata, uma arquiteta sem diploma. Apesar de tudo, deixou obras como o Parque do Flamengo”.
Ficção e realidade – Barreto recria o relacionamento de 15 anos entre Lota e Elizabeth Bishop com a ajuda da ficção. No filme, as duas se conhecem quando a poetisa recebe uma homenagem na embaixada americana, que na época ficava no Rio, então capital federal. Na vida real, Lota conheceu Elizabeth durante uma viagem a Nova York. “O livro da Carmen serviu apenas como ponto de partida para o roteiro estruturado por Carolina Koscho, que passou depois pelas mãos do diretor e roteirista americano Matthew Chapman, porque a maior parte dos diálogos é falada em inglês”, observou o diretor.
No filme, Barreto promove a reconciliação entre Lota e seu pai, José Eduardo de Macedo Soares, dono de um dos maiores jornais da época, o Diário Carioca – a arquiteta e paisagista deixara a casa da família aos 25 anos, desgastada pela a separação dos pais. Na ficção, o reencontro é intermediado por Elizabeth, e acontece durante a cerimônia de inauguração do Parque do Flamengo, em 1965. “Não estamos fazendo uma biografia da Lota nem da Elizabeth, mas filmando a história de amor entre elas, duas mulheres de temperamentos opostos, porém complementares”, reforçou Barreto.
O diretor não se aborrece quando alguém se refere a Flores Raras como um filme de amor gay. “A sexualidade das personagens não é o foco principal do filme, mas é um aspecto importante da história”, observa o autor de Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976) e O Beijo no Asfalto (1981), entre outros sucessos nacionais. “Mas de maneira alguma eu escamoteio a situação delas. Até porque o relacionamento entre Lota, Mary e Elizabeth refletem bem a mentalidade do país na época. Quando Elizabeth chega ao Rio, ela pergunta a Mary, na época ainda amante da Lota: ‘Como é aqui?’. E ela responde: ‘Eu e a Lota somos muito discretas. Acho que somos um pouco além da imaginação para eles”, contou.
Barreto pretende inscrever Flores Raras no próximo Festival de Berlim (fevereiro de 2013), onde competiu com O Que É Isso, Companheiro (1997). “Estamos fazendo um filme para o mundo, sobre um assunto que desperta a curiosidade também no exterior, porque o trabalho da Elizabeth Bishop só começou a ser descoberto nos últimos dez anos. Até então, mesmo nos Estados Unidos poucos conheciam os textos dela. Meu desafio é contar essa história de maneira acessível, mas sem simplificá-la. Meu ideal seria algo com a poesia e a complexidade de As Horas (2002) e a emoção e a escala épica de Entre Dois Amores (1985).
Correção: Em uma versão anterior, este texto afirmava que o filme de Roberto Berliner, ainda inédito, sobre a fundadora do Museu do Inconsciente chama-se Engenho de Dentro. O nome correto do longa é Nise da Silveira (o texto já foi corrigido). Engenho de Dentro é o local onde o filme foi rodado.
fonte:
Gloria Pires e Miranda Otto participam da entrevista coletiva do filme “Flores Raras”
As atrizes Miranda Otto e Glória Pires, e o diretor Bruno Barreto, participaram de entrevista coletiva, nesta segunda-feira (5), em hotel de São Paulo, para divulgar o filme “Flores raras“. Com estreia prevista para 16 de agosto, o longa retrata a passagem da escritora norte-americana Elizabeth Bishop pelo Brasil, onde viveu durante os anos 50 e 60, e seu romance com a arquiteta brasileira Lota de Macedo Soares.
Miranda viajou da Austrália ao Brasil para falar sobre sua personagem, a poeta Bishop, vencedora do Prêmio Pulitzer de 1956. “Eu me senti sortuda em vir ao Rio e fazer o filme. Quando recebi o e-mail me oferecendo o papel, eu não conhecia muito a história, mas depois de ler o roteiro achei brilhante. Fiquei muito feliz com o convite”, disse. A atriz ouviu gravações de Bishop lendo poesias e viu fotografias para criar a personagem. “Trabalhamos em conjunto para levar esse processo de criação da poesia para as telas sem que ficasse chato”, afirmou.
Apesar do elenco, a produtora Paula Barreto diz que houve dificuldade em encontrar patrocínio por conta da questão da homossexualidade. “O filme custou R$ 13 milhões. Se não fosse a coragem dos nossos parceiros iniciais de apostarem no tema, ele não teria se realizado. O único investidor privado é o Itaú. Ainda temos dívidas que esperamos quitar com o lançamento”, afirma. Paula conta que “Flores raras” já foi comprado para ser distribuído para na Alemanha e Coreia, além de países da Escandinávia. “Nos EUA, ele será exibido na primeira semana de novembro, em cinco cidades norte-americanas, para concorrer ao Oscar, principalmente aos prêmios para as duas atrizes”, aposta a produtora.
Bruno contou que sua mãe, a produtora Lucy Barreto, comprou os direitos para o filme em 1995. “Ela me ofereceu, mas não me interessei. Ela também ofereceu para outros cineastas, como o Hector Babenco, que recusou. Aí ela também já tinha chamado a Glória para ser a Lota, que aceitou”. Barreto disse que, em 2004, ao ver sua ex-mulher (a atriz americana Amy Irving) fazer um monólogo de Bishop nos EUA, sentiu vontade de fazer esse filme.
“Fui ler a poesia dela e comecei a procurar o ângulo da história e o que permeava era a perda. Seria uma história de amor para falar de perda. Conhecia a Miranda do filme do Michel Gondry, ‘A natureza humana’, e foi o casamento perfeito”, afirma. “Meu maior trabalho como diretor foi ouvi-las. Chegou um momento que elas sabiam mais das personagens do que eu. Talvez o fato de eu ter sido casado com uma grande atriz durante 15 anos me ajudou nisso”, completa.
Glória Pires vive Lota, conhecida por idealizar e supervisionar a construção do Parque do Flamengo (ou Aterro do Flamengo), e diz que o que a atrai na escolha de um personagem é justamente o aprendizado. “Eu tenho esse ímpeto da Lota, embora ela seja mais aberta do que eu. Sou uma pessoa comedida, tenho a crença pessoal de que as coisas precisam de tempo para amadurecer”, conta. Glória afirma que o filme estreia em um momento importante, em que há a discussão sobre o casamento gay. “Ele só vem a acrescentar e mostra duas mulheres querendo uma vida comum. O filme desmistifica o universo gay. Elas são seres humanos, com expectativas e medos”, diz a atriz.
Como Lota não gostava de sair em fotos, Glória conta que se baseou em livros que falam sobre a arquiteta. “Alguns relatos se referiam à forma de falar e agir. Embora a condição de homossexual não fosse livre naquela época, ela falava palavrão e tinha intimidade com os peões, uma camaradagem bem masculina”, afirma. Com boa parte do filme falada em inglês, Glória diz que “as cenas de mais emoção” foram as que mais a preocuparam. Sobre a questão da homossexualidade, Glória diz que esse fator “não foi o problema, mas a solução”. “Eu busco desafios. Há 40 anos trabalho como atriz, fazendo TV na maioria do tempo, embora eu tenha sempre tentado fugir às regras, de alguma forma você fica enquadrado no bom e no mau sentido. Foram 17 anos esperando esse filme acontecer. Para mim foi um presente”, afirma.
Bruno aproveitou para elogiar a atriz, com quem seu irmão Fábio Barreto já trabalhou em “O Quatrilho”. “A Glória é um monstro em português, mas não sabia que era em inglês também. Você vê Antonio Banderas e Penélope Cruz, que não vingaram fazendo papéis dramáticos em inglês. É incrível o comando que ela tem”, afirma. Questionado sobre uma possível comparação entre “Dona flor e seus dois maridos”, seu filme de maior sucesso de bilheteria, e “Flores raras”, Barreto brinca: “Quem será o Vadinho? Acho que a Lota é o Vadinho, a Miranda é a Dona Flor e a Mary é o segundo marido, que é mais careta”. O cineasta ainda complementa ao dizer que a música “Fulgaz”, de Marina Lima, é um resumo do relacionamento de Lota e Bishop. “Aquele trecho ‘E a gente faz um país’ mostra exatamente o que era a relação delas”.
Flores Raras
Miranda Otto conta como foi interpretar Elizabeth Bishop
Como foi trabalhar com o Bruno no Brasil? E a experiência de contracenar com atores brasileiros?
Considero uma sorte enorme ter vindo trabalhar no Brasil. Foi diferente de meus outros trabalhos. É uma outra filosofia, um jeito diferente de trabalhar. De certa forma foi um desafio, uma experiência nova atuar num filme brasileiro com personagens tão fantásticos. Foi uma oportunidade incrível que recebi do Bruno poder vir ao Brasil fazer esse filme lindo.
Apesar de falado boa parte do tempo em inglês, ‘Flores Raras’ é um filme brasileiro e o português não deixa de estar presente e alguns diálogos. Como foi trabalhar com essa mistura de idiomas?
Como você disse, pelo fato da maior parte do filme ser em inglês acabou sendo mais fácil. Eu também tive a excelente desculpa de que a Elizabeth Bishop não falava muito bem e nem com tanta frequência. Durante o processo de construção no set, eu também contei com o excelente suporte dos preparadores que sempre me auxiliavam para cenas de português ajudando minha compreensão e indicando como eu estava indo. Quando tive algum problema sempre pude contar também com a ajuda dos tradutores.
Você chegou a aprender algo de português com o trabalho no filme?
Na verdade muito pouco, basicamente só o que foi falado nos diálogos dele. A questão do idioma acabou sendo natural justamente pela questão da Elizabeth, assim como eu, não saber falar português tão bem assim.
Como foi o processo de construção do personagem? De que forma você se preparou para interpretar a Elizabeth Bishop?
Foram diferentes referências e todas muito ricas. Tive contato com a biografia e história da Elizabeth através de registros de pessoas que participaram da vida dela. Além disso, estudei também através de fotos muito interessantes, de ângulos variados que me deram novas formas de olhar o personagem. Li algumas correspondências dela, inclusive com o Robert Lawell, um dos amigos mais próximos que a Elizabeth teve. Também ouvi gravações de sua voz falando as poesias em diferentes momentos de sua vida. Foi um trabalho de resgate da identidade muito grande, tive acesso a muitas referências.
http://www.lezfemme.com.br/wp-content/uploads/2013/08/Flores-Raras-Lez-Femme.jpg
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