terça-feira, 24 de janeiro de 2012

CASA GRANDE & SENZALA



07/01/2009 - 11h45
Guia abre caminho para leitura de "Casa-Grande e Senzala"; leia capítulo

da Folha Online

Escrito em uma linguagem criativa e inovadora, com métodos de pesquisa pouco ortodoxos e idéias anti-racistas que desafiaram os preconceitos da época, "Casa-Grande e Senzala" (1933) é um grande ensaio de interpretação do Brasil. O primeiro capítulo pode ser lido abaixo.

Livro da Publifolha explica a obra e seu autor, Gilberto Freyre



Por sua importância, o livro é tema de um dos volumes da coleção "Folha Explica", que abre caminhos para a leitura da maior obra brasileira, segundo o antropólogo Darcy Ribeiro, abordando ainda a trajetória controversa e conservadora, irreverente e saudosista do seu autor, Gilberto Freyre (1900-87).

O livro é assinado por Roberto Ventura, que foi professor de teoria literária e literatura comparada na USP (Universidade de São Paulo).

Como o nome indica, a série "Folha Explica" ambiciona explicar os assuntos tratados e fazê-lo em um contexto brasileiro: cada livro oferece ao leitor condições não só para que fique bem informado, mas para que possa refletir sobre o tema, de uma perspectiva atual e consciente das circunstâncias do país.

Leia abaixo capítulo do livro.

*

Um Livro Controverso

"Casa-Grande & Senzala"
Grande livro que fala
Desta nossa leseira
Brasileira.
Manuel Bandeira

Gilberto Freyre é o mais amado e odiado escritor brasileiro. Casa-Grande & Senzala, seu principal livro, é uma das obras mais polêmicas já publicadas no país. Monteiro Lobato comparou o seu lançamento em 1933 com a fulgurante aparição do cometa Halley nos céus. Jorge Amado saudou o livro como uma revolução, que deslumbrava o país, ao falar dele como nunca se falara antes. O ensaio de Freyre foi aclamado como uma ruptura nos estudos históricos e sociais tanto pelo tema --a formação de uma sociedade agrária, escravocrata e híbrida-- quanto pelas idéias, como a valorização do escravo negro e da cultura afro-brasileira, mas sobretudo pela linguagem, fortemente oral e coloquial, avessa a qualquer ranço acadêmico ou jargão especializado.

Freyre foi endeusado nas décadas de 1930 e 1940 como o descobridor da identidade do país e criador de uma nova auto-imagem do brasileiro, que passava de negativa a positiva, de disfórica a eufórica. Os críticos João Ribeiro e Lúcia Miguel Pereira consideraram o livro definitivo, por alargar os limites da nação e afastar os temores infundados sobre a inferioridade racial de sua população. Para o antropólogo Roquete-Pinto, era uma obra que já nascia clássica, de consulta indispensável para todos aqueles que quisessem entender o país.1

Antes tomado como inferno da depravação sexual e da degeneração étnica, o Brasil se converteu pelas mãos de Gilberto Freyre em paraíso tropical e mestiço, em que se daria a confraternização de raças e culturas oriundas da Europa, África e América. A idéia de uma história em que os conflitos se harmonizam passou a fazer parte do senso comum do brasileiro e da cultura política do país, tendo sido veiculada pelos sucessivos governos a partir dos anos 40. Incorporado por grande parte da população, o mito da "democracia racial" se tornou um obstáculo para o enfrentamento das questões étnicas e sociais e uma barreira para as minorias, como os negros, os índios, as mulheres e os homossexuais, cujos movimentos lutam por identidades diferenciadas e reivindicações específicas.

Freyre se tornou, junto com o romancista Jorge Amado, o escritor brasileiro de maior sucesso internacional, pelo menos até a aparição do esotérico Paulo Coelho no mercado editorial dos anos 90. Tanto Freyre quanto Amado difundiram a imagem do brasileiro bom e sorridente, doce e não-agressivo, que se deixa seduzir pela mulata, cuja sensualidade ardente é glorificada quer em Casa-Grande & Senzala, quer nos romances do escritor baiano, como Gabriela, Cravo e Canela, Tenda dos Milagres, Tereza Batista Cansada de Guerra e Tieta do Agreste, inúmeras vezes reeditados e adaptados para a televisão e o cinema.

Casa-Grande & Senzala é até hoje o ensaio brasileiro mais traduzido, com versões em inglês, francês, espanhol, italiano, alemão e polonês, além de mais de 20 edições no Brasil. Homenageado com colóquios, medalhas e títulos, Freyre é doutor honoris causa pelas universidades de Columbia, Coimbra, Paris, Sussex, Münster, Oxford e Recife. Obteve os prêmios Machado de Assis da Academia Brasileira de Letras, Aspen do Instituto de Estudos Humanísticos dos EUA e La Madonnina da Itália. Foi condecorado pela França, México, Venezuela, Portugal e Espanha e recebeu a Ordem do Império Britânico das mãos da rainha Elizabeth 2ª.

Mas Casa-Grande & Senzala também provocou fortes reações. A obra foi atacada por sua linguagem, tida como vulgar e obscena. Um obscuro escritor mineiro xingou o livro de "pornográfico" devido à referência ao modo brasileiro de defecar. Com o apoio de um colégio religioso do Recife, alguns exemplares foram queimados em praça pública. E o escritor logo provocaria novas controvérsias, ao organizar no Recife, em 1934, o Primeiro Congresso Afro-Brasileiro. Seu interesse pela cultura afro-brasileira lhe valeu a acusação de "subversivo", "comunista" e "soviético", por seus supostos ataques à família brasileira e à moral cristã. Foi hostilizado pela elite pernambucana, à qual era ligado por relações profissionais e políticas e também por laços de parentesco, ao propor à Cooperativa dos Usineiros de Pernambuco o estudo das condições de vida dos trabalhadores rurais. O Dops (Delegacia de Ordem Política e Social) de Pernambuco o fichou em 1935, em companhia dos pintores Di Cavalcanti e Cícero Dias, como "agitador, organizador da Frente Única Sindical, orientadora das greves preparatórias do movimento comunista".

Freyre se opôs ao governo autoritário de Getúlio Vargas e foi presidente da UDN (União Democrática Nacional) em seu estado. Foi preso e espancado em 1942, junto com o pai, devido a um artigo no Diário de Pernambuco em que acusava um beneditino alemão de Olinda de ser racista e pró-nazista. Foi indiciado ao Tribunal de Segurança Nacional em 1945, já no fim do governo Vargas, por ter discursado em manifestação contra a ditadura no Recife, em que a polícia política matou a tiros duas pessoas. Com a redemocratização do país, elegeu-se deputado pela UDN e participou da Assembléia Constituinte e da Câmara dos Deputados, à qual propôs a criação no Recife do Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais, depois Fundação Joaquim Nabuco, com o objetivo de fazer investigações de caráter rural.

Já sexagenário, assumiu posições polêmicas, que o tornaram maldito por mais de duas décadas para os setores de esquerda. Apoiou o golpe militar de 1964, cujo governo forte via como o restabelecimento de uma ordem patriarcal e hierárquica, destruída pela urbanização e modernização. Conforme observou o jornalista Mario Cesar Carvalho, em artigo na Folha de S.Paulo publicado no centenário de seu nascimento,2 o homem que criou a mitológica imagem de um Brasil tolerante acabou por adotar posições políticas marcadas pela intolerância...

Movido por aquilo que o antropólogo Darcy Ribeiro chamou de "tara direitista", Freyre acusou o reitor da Universidade do Recife de ser conivente com a propaganda comunista e pediu a sua renúncia ao cargo. Tinha exigido antes, em 1963, o afastamento de supostos esquerdistas da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste). E chegou a propor, em 1972, ao senador Filinto Müller, ex-chefe da polícia política de Vargas, um programa para a Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido de sustentação dos militares no poder. Segundo ele, a Arena deveria defender a crescente superação das diferenças raciais no Brasil pela criação de um povo "além-raça". Encantado com a ditadura de Antônio Salazar em Portugal, que ocupou o poder por mais de quatro décadas, de 1928 a 1974, foi conivente com a política colonialista da antiga metrópole na África e na Ásia em nome do "luso-tropicalismo", entendido como a civilização original e maleável criada pelos portugueses em três continentes.

Foi atacado nas décadas de 1960 e 1970 por sociólogos da Universidade de São Paulo, como Florestan Fernandes, Octávio Ianni e Fernando Henrique Cardoso, que criticaram sua visão idílica do passado colonial e a idéia de que se vive em uma "democracia racial", sem conflitos entre brancos e negros. A partir dos anos 80, foi redescoberto por historiadores interessados na história do cotidiano, da sexualidade e da intimidade, que resgataram a sua visão da escravidão.

Voltou a ser valorizado agora como um precursor da virada antropológica e psicológica dos estudos históricos, que se dera a partir da década de 1970 com a terceira geração da escola dos Annales e os representantes da "nova história" francesa, como Fernand Braudel, Georges Duby e Philippe Ariès. Passou a ser elogiado como pioneiro por seu foco nos "novos objetos" e em figuras até então marginais, como o escravo, a mulher, a criança, a arquitetura e os artefatos, os hábitos culturais e as tradições culinárias e alimentares. Os maiores intelectuais do século 20, dentre eles o crítico Roland Barthes e os historiadores Febvre e Braudel, já o tinham aclamado como escritor sensível à matéria palpável e renovador dos estudos históricos e sociais.

Por que Casa-Grande & Senzala e seu autor, Gilberto Freyre, tidos como revolucionários e progressistas nos anos 30 e 40, passaram a ser criticados a partir da década de 1960 como conservadores e reacionários? Como o sociólogo, que os usineiros nordestinos chamaram de "comunista" e de "soviético" nos anos 30, conseguiu se tornar o ideólogo informal do regime militar? De que modo se deu o resgate de sua obra, a partir dos anos 80, como pioneira dos novos rumos da historiografia? São essas as perguntas que este livro procura responder.

1 Os artigos de João Ribeiro, Lúcia Miguel Pereira e Roquete-Pinto se encontram reproduzidos em: Edson Nery da Fonseca (org.), Casa-Grande & Senzala e a Crítica Brasileira de 1933 a 1944. Recife: Ed. de Pernambuco, 1985.
2 Caderno "Mais!", 12 mar. 2000, dossiê "Céu & Inferno de Gilberto Freyre".

*

"Casa-Grande e Senzala"
Autor: Roberto Ventura
Editora: Publifolha
Páginas: 96
Quanto: R$ 17,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha

fonte:http://www1.folha.uol.com.br/folha/publifolha/ult10037u352103.shtml




Livro do Mês
Casa-Grande e Senzala- parte I

Quando Gilberto Freyre publicou Casa-grande e senzala, em 1933, o Brasil vivia um de seus momentos decisivos. A revolução modernizadora – desencadeada em 1930 – transformava a face tradicionalmente rural do país, alterando-lhe não apenas a e estrutura econômica mas também as instituições sociais e políticas. No plano cultural ocorria uma notável efervescência: assimiladas as conquistas estéticas renovadoras da Semana de Arte Moderna, buscava-se agora a discussão da realidade brasileira, cuja ponta do novelo no século XX fora a publicação de Os sertões, em 1902.

Nos meios letrados, sentia-se a necessidade de interpretar o país e suas possibilidades como nação, formando-se então aquilo que Antonio Candido designou como “pré-consciência do subdesenvolvimento”, isto é, uma percepção do atraso e da miséria e que teve como canal mais forte de expressão o romance. Gênero literário normalmente voltado para a crônica do social, tornou-se a espécie predileta de uma geração inteira. Contudo, se o romance dominou o período com os talentos extraordinários de José Lins do Rego, Erico Verissimo, Jorge Amado, Graciliano Ramos, etc., em seu rastro se disseminou outro gênero, o ensaio, que visava a dissecar e refletir aspectos da realidade brasileira de forma direta, sem a mediação dos instrumentos ficcionais.

Um número expressivo de ensaios marca a década de 1930. Produzidos por jovens autores que intentavam abordagens renovadoras de nossos fenômenos históricos, econômicos, sociológicos, educacionais, étnicos, etc. É a década onde avultam as obras de Caio Prado Jr., Nelson Werneck Sodré, Fernando de Azevedo, Roberto Simonsem, Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil, 1936). Entre todas, a que mais resistiu à passagem do tempo foi sem dúvida Casa-grande e senzala.

Uma visão progressista

A crise dos anos 30 naturalmente não se esgotou na problemática econômica e política. Junto com a corrompida República Velha – manipulada pelos interesses dos cafeicultores – esboroava-se um conjunto de valores e idéias. Assim, o novo ímpeto intelectual revolucionário encontraria em Gilberto Freyre um de seus principais porta-vozes. Filho da oligarquia tradicional de Pernambuco, descendente direta de família de senhores de engenho, pertencia a uma classe em derrocada desde a aparição das usinas. Uma classe que desconfiava tanto do incipiente capitalismo que chegava ao campo quanto da expansão burguesa que acontecia no mundo urbano. Porém, ao identificar-se com a Revolução de 30, esta velha aristocracia rural procurava manter-se mais algum tempo à sombra do poder. Adotava parcialmente o novo sem romper com passado.

Tal dialética impregna Casa-grande e senzala. O traço conservador – quase reacionário – reside na exaltação da figura do senhor patriarcal nordestino. Verdade que o Autor não lhes esconde os vícios, as mazelas morais e a violência: eles mandam nas terras, nos engenhos e nos homens com a mesma ferocidade. Só que Gilberto Freyre vê neles (inclusive por causa de sua brutalidade) o fator fundamental para a implantação de um novo processo civilizatório no país. Não poupa tintas cruéis para descrever os horrores da escravidão, mas afirma que a estrutura escravocrata era ainda melhor que a capitalista. Como diz o historiador Carlos GuilhermeMota: “Freyre oscila entre a saga da oligarquia e o desnudamento da vida interna do estamento ao qual pertence.”

A ambigüidade deste posicionamento felizmente submerge na quantidade de acertos que o texto revela. Em pleno apogeu das teorias racistas que imputavam a negros, índios e mestiços a razão maior do atraso nacional, o Autor celebra o papel essencial das etnias dominadas na formação do país. Chega a afirmar que os negros forma mais importantes para a colonização do que seus donos. Descobre e exalta a força vital dos escravos: sua capacidade de resistência ao meio hostil e suas habilidades técnicas e agrícolas. Isso que hoje nos parece óbvio, era uma heresia em 1933.

Também o índio recebe elogios. Não se trata de um selvagem bronco e incapaz. Ao contrário, em muitos sentidos é superior ao conquistador branco. Na limpeza, por exemplo, enquanto os europeus eram sujos e repulsivos, os nativos chegavam a banhar-se dez vezes ao dia. O sociólogo pernambucano mostra os índios como vítimas, não apenas dos colonizadores, mas também dos jesuítas que teriam praticado uma espécie de extermínio indireto das populações locais.

http://educaterra.terra.com.br/literatura/livrodomes/2003/01/20/001.htm

Casa-Grande & Senzala é um livro escrito pelo autor brasileiro Gilberto Freyre, e publicado em 1 de dezembro de 1933.

Através dele, Freyre destaca a importância da casa grande na formação sociocultural brasileira bem como a da senzala que complementaria a primeira.

Na opinião de Freyre, a própria estrutura arquitetônica da Casa-Grande expressaria o modo de organização social e política que se instaurou no Brasil, qual seja o do patriarcalismo. Isto posto que tal estrutura seria capaz de incorporar os vários elementos que comporiam a propriedade funciária do Brasil colônia. Do mesmo modo, o patriarca da terra era tido como o dono de tudo que nela se encontrasse como escravos, parentes, filhos, esposa, etc. Este domínio se estabelece de maneira a incorporar tais elementos e não de excluí-los. Tal padrão se expressa na Casa-Grande que é capaz de abrigar desde escravos até os filhos do patriarca e suas respectivas famílias.

Neste livro o autor tenta também desmistificar a noção de determinação racial na formação de um povo no que dá maior importância àqueles culturais e ambientais. Com isso refuta a ideia de que no Brasil se teria uma raça inferior dada a miscigenação que aqui se estabeleceu. Antes, aponta para os elementos positivos que perpassam a formação cultural brasileira composta por tal miscigenação (notadamente entre portugueses, índios e negros).
Índice
[esconder]

1 Comentários acerca da obra
2 Críticas
3 Gilberto Freyre sobre as críticas que recebeu
4 Ver também
5 Referências
6 Bibliografia
7 Ligações externas

[editar] Comentários acerca da obra

Entre 1933 e 1942, três grandes livros publicados alimentaram, no dizer de Antônio Cândido, a imaginação dos jovens brasileiros e os estimularam a refletir sobre seu país: Casa-Grande & Senzala (1933), de Gilberto Freyre; Raízes do Brasil (1936) de Sérgio Buarque de Holanda e Formação do Brasil Contemporâneo (1942) de Caio Prado Júnior. Sobre a "composição libérrima" de Casa-Grande & Senzala, atribuindo ao escravo uma importância ímpar e decisiva na formação do ser mais íntimo brasileiro, e a abordagem da vida sexual de forma tão franca, disse, ainda, que os pósteros não fazem ideia de sua força revolucionária e seu impacto libertário da colônia brasileira.
[editar] Críticas

Entretanto, na opinião de outros sociólogos contemporâneos, alguns deles ligados à esquerda do movimento negro e de uma linha mais marxista e menos culturalista, o ideal da miscigenação adquiriria uma nova roupagem na obra “Casa Grande e Senzala”, passando a ser vista como mecanismo de um processo, o qual teria como fim a democracia racial (expressão usada por Gilberto Freyre só muito mais tarde).

Segundo Clóvis Moura, "Gilberto Freyre caracterizou a escravidão no Brasil como composta de senhores bons e escravos submissos". O mito do bom senhor de Freyre seria uma tentativa no sentido de interpretar as contradições do escravismo como simples episódio sem importância, e que não teria o poder de desfazer a harmonia entre exploradores e explorados durante aquele período.

Relata Martiniano J. Silva que a miscigenação é um velhíssimo processo de enriquecimento racial e cultural dos povos, capaz de gerar civilizações, e que ocorre de forma livre e democrática. Afirma que historicamente a miscigenação de raças no Brasil “nunca foi tratada e nunca existiu como um processo livre, espontâneo, e, portanto, natural, de união entre dois povos.” Ao contrário, como reafirma Silva, a dignidade da mulher negra teria sido violentada, atingindo sua honra no âmbito moral e sexual, através de uniões mantidas a força, sob a égide do medo, da insegurança, onde as crianças eram concebidas legalmente sem pai, permanecendo no status de escrava, não havendo assim nenhum enriquecimento racial e cultural de civilização alguma. Conclui dizendo que é preciso que não se confunda a descaracterização de um povo pela violência sexual com a hipótese de uma democracia racial.

O próprio Freyre, na obra em apreço, corrobora essa violência, embora um tanto acanhadamente:«Nenhuma casa-grande do tempo da escravidão quis para si a glória de conservar filhos maricas ou donzelões. O folclore da nossa antiga zona de engenhos de cana e de fazendas de café, quando se refere a rapaz donzelo, é sempre em tom de debique:para levar o maricas ao ridículo. O que sempre se apreciou foi o menino que cedo estivesse metido com raparigas. Raparigueiro, como ainda hoje se diz. Femeeiro. Deflorador de mocinhas. E que não tardasse a emprenhar negras, aumentando o rebanho e o capital paternos»(p.356). Se esse foi sempre o ponto de vista da casa-grande, como responsabilizar-se a negra da senzala pela depravação precoce do menino nos tempos patriarcais? O que a negra da senzala fez foi facilitar a depravação com a sua docilidade de escrava;abrindo as pernas ao primeiro desejo do sinhô-moço. Desejo, não:ordem".

Ou seja, o autor, de forma mais objetiva, não profliga a promiscuidade reinante no período escravocrata.

Mais incisivo é Sergius Gonzaga:"Filhos, quase todos, de senhores de engenho, tinham à disposição o corpo das escravas-tidas como coisas, e assim obrigadas a aceitar o furor sexual dos grandes proprietários e seus descendentes. Algumas delas requintavam a sensualidade, buscando fugir à brutalidade do trabalho servil pelo reconhecimento de um senhor mais generoso".
[editar] Gilberto Freyre sobre as críticas que recebeu

A vida de Gilberto Freyre, após a obra Casa-Grande, passou a ser um eterno explicar-se. Incansavelmente, repetia que não fora criador do mito da democracia racial e que o fato de seus livros terem reconhecido a intensa miscigenação entre as raças no Brasil não significava decerto a ausência de preconceito ou de discriminação. Gilberto Freyre apontou que muitos (inclusive americanos) dizem ser os Estados Unidos uma "democracia exemplar" ao passo que a escravidão e a segregação racial estiveram presentes durante a maior parte da história norte-americana.[1] Exemplo de desabafo contrário à acusação de ter criado a idéia de equilíbrio racial no Brasil pode ser extraída da entrevista realizada com o autor em 15/3/1980. À pergunta: “Até que ponto nós somos uma democracia racial?”, formulada pela jornalista Lêda Rivas, Freyre respondeu:

“(…) Democracia política é relativa. (…). Sempre foi relativa, nunca foi absoluta(…).Democracia plena é uma bela frase (…) de demagogos, que não têm responsabilidade intelectual quando se exprimem sobre assuntos políticos. (…). Os gregos, aclamados como democratas do passado clássico, conciliaram sua democracia com a escravidão. Os Estados Unidos, que foram os continuadores dos gregos como exemplo moderno de democracia no século XVIII, conciliaram essa democracia também com a escravidão. Os suíços, que primaram pela democracia direta, até há pouco não permitiam que mulher votasse. São todos exemplos de democracias consideradas, nas suas expressões mais puras, relativas. (…). O Brasil (…) é o país onde há uma maior aproximação à democracia racial, quer seja no presente ou no passado humano. Eu acho que o brasileiro pode, tranqüilamente, ufanar-se de chegar a este ponto. Mas é um país de democracia racial perfeita, pura? Não, de modo algum. Quando fala em democracia racial, você tem que considerar [que] o problema de classe se mistura tanto ao problema de raça, ao problema de cultura, ao problema de educação. (…) Isolar os exemplos de democracia racial das suas circunstâncias políticas, educacionais, culturais e sociais, é quase impossível. (…). É muito difícil você encontrar no Brasil [negros] que tenham atingido [uma situação igual à dos brancos em certos aspectos...]. Por quê? Porque o erro é de base. Porque depois que o Brasil fez seu festivo e retórico 13 de maio, quem cuidou da educação do negro? Quem cuidou de integrar esse negro liberto à sociedade brasileira? A Igreja? Era inteiramente ausente. A República? Nada. A nova expressão de poder econômico do Brasil, que sucedia ao poder patriarcal agrário, e que era a urbana industrial? De modo algum. De forma que nós estamos hoje, com descendentes de negros marginalizados, por nós próprios. Marginalizados na sua condição social. [...]. Não há pura democracia no Brasil, nem racial, nem social, nem política, mas, repito, aqui existe muito mais aproximação a uma democracia racial do que em qualquer outra parte do mundo”.

E ao prefaciar a obra Religião e Relações Raciais, de René Ribeiro, Gilberto Freyre mais uma vez afirmou:

“Tão extremada é tal interpretação como a dos que pretendam colocar-me entre aqueles sociólogos ou antropólogos apenas líricos para quem não houve jamais entre os portugueses, nem há entre brasileiros, preconceito de raça sob nenhuma forma. O que venho sugerindo é ter sido quase sempre, e continuar a ser, esse preconceito mínimo entre portugueses — desde o contato dos mesmos como os negros e da política de assimilação, do Infante – e brasileiros, quando comparado com as outras formas cruas em vigor entre europeus e entre outros grupos. O que daria ao Brasil o direito de considerar-se avançada democracia étnica como a Suíça se considera — e é considerada — avançada democracia política, a despeito do fato, salientado já por mais de um observador, de haver entre os suíços não raros seguidores de (…) idéias políticas de antidemocracia”.

O fato de não haver se filiado à corrente maniqueísta esposada por alguns dos líderes negros talvez tenha custado muito caro ao sociólogo. Mas a verdade é que Freyre bem conhecia a realidade estadunidense, a tal ponto de não poder associá-la, nem aproximá-la, da realidade brasileira. Usualmente Freyre tecia considerações sobre as diferenças entre o sistema de segregação institucionalizada, operada nos Estados Unidos e o racismo praticado no Brasil. Nesses termos, afirmava:

“Não é que inexista preconceito de raça ou de cor conjugado com o preconceito de classes sociais no Brasil. Existe. Mas ninguém pensaria em ter Igrejas apenas para brancos. Nenhuma pessoa no Brasil pensaria em leis contra os casamentos inter-raciais. Ninguém pensaria em barrar pessoas de cor dos teatros ou áreas residenciais da cidade. Um espírito de fraternidade humana é mais forte entre os brasileiros que o preconceito de raça, cor, classe ou religião. É verdade que a igualdade racial não se tornou absoluta com a abolição da escravidão. (…). Houve preconceito racial entre os brasileiros dos engenhos, houve uma distância social entre o senhor e o escravo, entre os brancos e os negros (…). Mas poucos aristocratas brasileiros eram rígidos sobre a pureza racial, como era a maioria dos aristocratas anglo-americanos do Velho Sul”.[2]
[editar] Ver também

Movimento Mestiço
Movimento Negro

[editar] Referências

↑ http://www.imil.org.br/artigos/a-importancia-de-gilberto-freyre-para-a-construcao-da-nacao-brasileira-parte-ii/
↑ http://www.imil.org.br/artigos/a-importancia-de-gilberto-freyre-para-a-construcao-da-nacao-brasileira-parte-ii/

[editar] Bibliografia

FREYRE, Gilberto. Casa-Grande & Senzala. Editora Record, Rio de Janeiro, 1998, cap. IV, 34ª edição, pág. 372.
GONZAGA, Sergius. Manual de Literatura Brasileira. Mercado Aberto, Porto Alegre, 1985, capítulo II, página 16.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Coleção Documentos Brasileiros. Prefácio de Antônio Cândido. Rio de Janeiro:José Olympio, 1987, 19ª edição.
MOURA, Clóvis. Sociologia do Negro Brasileiro. Série Fundamentos. São Paulo:Editora Ática, 1988, pág. 18.
SILVA, Martiniano J. Racismo à Brasileira: Raízes Históricas. 3ª edição. São Paulo:Anita, 1995.

http://pt.wikipedia.org/wiki/Casa-Grande_%26_Senzala

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