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Criado em Terça, 02 Julho 2013 19:26
Eis
o que transforma as manifestações multicêntricas que eclodem pelo país
numa inflexão histórica: todos os gritos, todos os cartazes, todos os
sotaques, todos os dialetos das mais diferentes tribos dizem, em
uníssono, que não querem mais democracia pela metade nem decisões
tomadas num universo à parte, que se imagina automaticamente legitimado
para decidir (ou não decidir), para fazer (ou não fazer), para planejar
(ou não planejar) em nome de todos. As ruas dizem claramente: não será
mais assim, não pode continuar sendo assim.
E dizem mais: queremos nos reconhecer nas decisões e nas ações de
caráter público, não queremos ser expectadores. É nosso direito
compartilhar o poder nas nossas diferenças, angústias, necessidades e
expectativas.
Infelizmente, o governo e o sistema político tentam enquadrar essa
energia nova e exigente dentro dos rituais da sua própria lógica, em
cujo centro está o cálculo para as futuras eleições, não para as futuras
gerações. Mas serão frustradas quaisquer medidas que pretendam
instaurar processos sob controle dos governantes e do establishment
político, que acostumou-se a agir, acima de tudo, em nome de sua própria
sobrevivência.
Em suas inúmeras palavras de ordem e demandas, as mobilizações
denunciaram o incontestável distanciamento entre as expectativas da
sociedade e o que fazem as instituições políticas. Não se trata apenas
de uma pauta de reivindicações. Tratá-las dessa maneira é aprofundar
ainda mais o fosso dessa separação.
Não dá para que toda a efervescência das ruas caiba em cinco
perguntas que a Presidente da República encaminhou ao Congresso como
sugestão para realização de um plebiscito. Não podemos nos conformar com
medidas pró-forma, habilmente arquitetadas para não mudar, ou pior,
mudar para maquiar a continuidade do mesmo controle sobre o sistema
decisório.
A reforma de que falamos é uma guinada histórica. Ela não pode ser
tratada como a construção de uma cidade cenográfica, vazia por trás das
fachadas imponentes. Como dizia o cartaz nas mãos de uma jovem
manifestante brasileira: “são tantas coisas que nem cabe”. Ou a faixa
esticada em Barcelona, durante as manifestações de 2011: “nossos sonhos
não cabem nas suas urnas”. A reforma não pode ser essa ideia de um
plebiscito amputado, que pode fazer com que a montanha de energia que
vem das ruas acabe parindo um rato. É impensável jogar fora o tesouro de
possibilidades que temos para dar um salto histórico na organização do
Estado e no rumo de nosso desenvolvimento.
A Rede Sustentabilidade, que nasce numa realidade tão rica, defende a
imperiosa necessidade de democratizar radicalmente a democracia, por
meio de um novo ordenamento jurídico, econômico e social que sirva de
base para um país verdadeiramente sustentável e justo.
Há uma agenda capaz de dar consequência às vozes múltiplas das ruas.
Essa agenda passa necessariamente por ampla consulta à sociedade que
incorpore estratégias de escuta presencial, como conferências e
audiências públicas e também participação virtual, com todo o potencial
que a internet oferece de diálogo e articulação de pessoas, redes e
movimentos. E que esse processo deságue num espaço novo de reforma
política que promova a integração das atuais instâncias de representação
política com a participação popular, para identificar e consagrar novas
regras para a convergência do sistema representativo com formas
inovadoras e efetivas de democracia direta.
Só uma alternativa que incorpore – sem tergiversar – a voz que ecoou
nas ruas pode representar avanço nessa direção, possibilitando o
surgimento de temas novos, fora do controle desse sistema político que
queremos reformar. Temas como as candidaturas independentes, para
quebrar o monopólio dos partidos políticos sobre a política
institucional; o fim da reeleição para os cargos do Executivo; a
limitação a dois mandatos no mesmo cargo legislativo; e o fim do foro
privilegiado. São essas, entre tantas outras, as ideias que poderiam
surgir de um diálogo aberto e amplo com a sociedade.
Chegou a hora da participação de verdade, não do velho jogo de aparências.
É preciso autocrítica sincera e um ajuste de contas proporcional ao déficit de democracia que nos levou a esse momento.
Copyleft
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Montserrat Martins*
Séculos de domínio das massas com o
“pão e circo” viciaram os políticos em menosprezar a inteligência das
pessoas. Bolsa Família e Copa do Mundo, ora vejam, não é tudo que o povo
pode querer. “A gente não quer só comida”, já avisavam os Titãs há
décadas, mas ninguém acreditou, porque a “geração Coca-Cola” parecia
muito feliz consumindo videogames e o mais perto de um movimento de
massas era uma lan house lotada jogando Counter-Strike uns contra os
outros.
Há poucos anos meu sobrinho Pedro, na época com 12 anos e estudando
História no colégio, desabafou que “tenho vergonha da minha geração”,
pela passividade e adesão ao mero consumismo. “Inútil, a gente somos
inútil”, desabafo do Ultraje a Rigor nos anos 80, era o sentimento do
Pedro então. Agora a geração do Pedro pode se orgulhar, a inércia acabou
e eles, os jovens, são os protagonistas.
Agora nossas ruas estão
cheias de poesia e seus profetas foram os artistas que sonharam com
esses momentos de rebeldia e inconformidade com a mesmice. “O dia vai
raiar sem lhe pedir licença”, verso do Chico Buarque em música contra a
ditadura nos anos 60, é um dentre milhares desses cartazes que os jovens
usam, sem pedir licença. “Desculpem o transtorno, estamos mudando o
país” é a mais linda ironia contra os avisos nas obras da Copa. “Os
estádios estão lindos, falta construir um país em volta deles” é outro.
“Queremos educação e saúde padrão FIFA”, uma maravilha. E que na
face-linguagem, proclamaram: "O Brasil mudou seu status de deitado
eternamente em berço esplêndido para verás que um filho teu não foge à
luta".
Mas, dizem muitos, o que estraga é que existem vândalos infiltrados.
Vândalos existem nas torcidas (lembre os Hooligans), existem em shows,
bailões e bailes funk, em qualquer aglomerado onde o anonimato da
multidão facilite o crime. Além de educação e saúde, nos falta uma
segurança de qualidade, capaz de diferenciar vândalos de jovens que
protestam. Ao invés de deter os violentos – o que exige preparo na
função – há policiais fazendo o mais fácil, prendendo os pacíficos. Até
para protestar em paz falta segurança cidadã, tanto quanto faltam saúde e
educação.
Na alma do movimento legítimo não está depredar, ao contrário, está a
defesa do patrimônio público que se esvai em obras faraônicas, em
corrupção e mau emprego do BNDES, colocando o público a serviço do
privado. O Barão de Itararé, expoente maior da inteligência pátria no
século passado, satirizava os casos “tipo BNDES” da sua época dizendo
que “a minha vida pública é uma extensão da privada”.
Os cientistas políticos ironizavam os protestos na rede como
fantasias que jamais se concretizariam. Agora, não sabem como explicar
movimentos novos e tentam enquadrá-los em padrões como “quem vai
liderá-los?”. O que vai acontecer, ninguém sabe. Mas o que eles têm de
novo é que são movimentos coletivos e contra qualquer forma de
autoritarismo, a ponto de não terem líderes e rejeitarem a apropriação
das causas pelos partidos.
Esse tipo de luta tem raízes na História nas propostas de autogestão
hoje representadas pelos autonomistas, diferentes dos anarquistas pelos
métodos pacíficos. Como na carta de Proudhon em 1846, rejeitando as
concepções de vanguarda partidária de Marx: “Eu aplaudo, de todo o meu
coração, vossa ideia de colocar em evidência todas as opiniões: façamos
uma boa e leal polêmica, demos ao mundo o exemplo de uma tolerância
sábia e previdente. Mas, porque estamos à frente do movimento, não nos
tornemos como apóstolos de uma nova religião, mesmo que essa religião
seja da lógica, da razão.” Os jovens mostram que a História não para e
que há muitos desafios, no século XXI, para evoluirmos.
Artigo originalmente publicado no jornal
Sul 21
*Montserrat Martins é médico e bacharel em ciências jurídicas e sociais.
IMPORTANTE: Os textos publicados na área de artigos
do site www.brasilemrede.com.br refletem a opinião do autor e não um
posicionamento da Rede Sustentabilidade.
MARINA SILVA
Em quase 30 anos de vida pública, Marina Silva ganhou reconhecimento
dentro e fora do país pela defesa da ética, da valorização dos recursos
naturais e do desenvolvimento sustentável.
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